/Está Todo Mundo Louco

Jorge Forbes

Artigo publicado na revista WELCOME Congonhas, janeiro de 2008 – ano 1 – número 10.

Campanhas apontam para o controle psiquiátrico da sociedade

A sociedade ameaçada busca a sensação de garantia no aumento do controle. Não funciona, o controle aumenta, não funciona, a sociedade fica irrespirável; estamos construindo uma civilização que é a morte da vida.

Dois recentes exemplos, vindos da França, país do qual nos acostumamos a receber melhores coisas – da inteligência das idéias, ao aprimoramento do gosto –, são alarmantes. A campanha da depressão e a prisão por precaução, ambos demonstrando a vontade da psiquiatrização social como método para se defender do inimigo interno e externo.

O inimigo interno é a depressão. Alardeia-se que até 2020, a depressão, junto com as doenças cardíacas, será o grande problema de saúde pública. Criou-se o dia da depressão e foi lançado um guia para qualquer pessoa se auto-diagnosticar em casa, se está ou não deprimido. Para tanto basta responder a um questionário de cruzinhas, tipo sim ou não, que lhe pergunta sobre seu sono, seu cabelo, seu trabalho, e, claro, sobre seu ânimo, para, ao final, somado os pontos, lhe dar o veredicto e o que fazer; se deprimido, invariavelmente, tomar uma pílula. Não será muito difícil ver a depressão liderando as estatísticas, com tal campanha. Quem não quer uma respeitável explicação por suas dificuldades, tristezas, temores, impasses, uma explicação que, ao mesmo tempo em que tira sua responsabilidade de viver – sim, porque a vida não tem piloto automático – lhe dá boa companhia – “todo mundo louco” – e fácil tratamento: uma pílula uma vez por dia, e sob o manto da certeira demonstração científica?

O inimigo externo é o crime. Está sendo criado um novo dispositivo que fará com que o prisioneiro, ao final da pena, possa continuar retido, agora, em um “centro sócio-médico-judiciário de segurança”. Enorme e radical mudança no princípio do direito: não se trata mais de avaliar a infração cometida, mas de diagnosticar psiquiatricamente a periculosidade, por disposição inata ou adquirida a cometer crimes. Declara-se o fim da presunção de inocência, o direito muda de bússola: da lei, para os testes psiquiátricos, como analisa, em artigo no Le Monde, Robert Badinter, ex-ministro de Justiça francês. Aquilo que era contado como piada: “- Por que você me prendeu?” “– Não sei, mas você deve saber” –, passa a ser prática social, perdendo toda a graça.

O fato de termos novos problemas a tratar, novos sintomas frutos de uma globalização que ainda nos surpreende e com quem ainda mantemos difícil convivência, por nos ter tirado da zona de conforto de um mundo a que estávamos acostumados, ao menos há três séculos, não deve nos autorizar a soluções milagreiras que, disfarçando o problema, só o aumenta, enquanto repousamos na rede da irresponsabilidade, pois, afinal, está todo mundo louco mesmo.