/Feliz Ano Novo

por Jorge Forbes

… quatro, três, dois, um, Viva ! Feliz Ano Novo !

Não adianta você querer dizer que nada tem a ver com isso, que é só uma data no calendário, que o Ano Novo não muda nada, que todo dia é igual ao outro, que você está acima ou indiferente a essas convenções sócio-comerciais, que o Ano Novo é patrocinado pelas agências de turismo, como o Natal seria invenção do clube dos lojistas. A sociedade vive dos pactos e convenções, que podem ser discutidos mas não desprezados. Senão, seria como dar um tiro no próprio pé. Não se caminha sem acordos de convivência e alguns, como o Ano Novo, dado à sua extensão universal, têm uma força simbólica real, que não permite indiferença. Até aquele mal humorado que prefere ir na última sessão de cinema do dia 31 de dezembro, sozinho, e antes da meia-noite já estar dormindo, não escapa ao Ano Novo. Não querer ver a entrada do ano é uma reação negativa, mas é uma reação.

E todos os anos se renovam as promessas, mesmo que sejam as mesmas das últimas décadas – sempre anunciadas, nunca cumpridas – sem nenhuma vergonha do pecado. O Ano Novo lava a alma do passado e estabelece um daqui para a frente. Normalmente as promessas se dividem em vir a ser mais apto, ou em vir a ser mais hábil. Ser mais apto é o sonho dos Darwinistas, que acreditam, tal qual Y-Yuca Pirama, que “se a vida é combate, que os fracos abate, os bravos, os fortes só pode exaltar”. São partidários da sobrevivência dos competentes.

Outros, os hábeis, almejam o reconhecimento social – mal se reclamando de Hegel – indiferentes às maneiras de obtê-lo, tanto mais quando os chamados emergentes passaram a ter destaque em novela e recebem aplauso popular. Pregam a habilidade, o jeitinho sedutor para obter a melhor vantagem. Mais vale aí a aparência de realização do que a própria; artimanha consagrada no ditado popular: “comeu galinha, degustou peru”.

E a psicanálise, tem algo a dizer sobre as boas intenções do Ano Novo? Ao menos dois aspectos: “Você quer o que você deseja?”, seria o primeiro, e o inexorável da surpresa, o segundo. Muitas das promessas, ficam só nas promessas, porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Este aspecto até auxilia os analistas no diagnóstico: obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra  Fernando Pessoa.

Então, no Ano Novo, uma promessa analítica, se existisse, seria suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano Novo. O momento mesmo do reveillon é o melhor exemplo do imprevisível: embora todo mundo saiba quando ele vai nascer, embora tal qual obstetras do futuro acompanhemos a contagem regressiva do seu nascimento em voz alta, não conseguimos evitar a curiosidade entusiasmada de ver a sua cara em meio a sinfonia dos fogos de artifício e das bolhas de champagne.

E todo Ano Novo é multifacetado, ele tem uma cara para cada um, é o que o difere do ano velho, com suas conhecidas rugas e rusgas. Tanto melhor, se o Ano Novo lhe encontrar feliz. Você.

(Publicado na revista Emoção, em 6 de novembro de 2000).