/Psicanálise do homem desbussolado

por Jorge Forbes

 

Os meios de comunicação eletrônicos trouxeram a rapidez da informação, mas, em contrapartida, pedem ao homem atual um tempo diferente de absorção, reflexão e preparo da análise crítica. Nessa nova subjetividade do mundo pós-moderno, o aforismo ganha renovada importância: Tá ligado?

 

 Aforismo é uma sentença que em poucas palavras se compreende. Nesta coluna, proponho um formato diferente ao leitor como maneira provocativa de percebermos como estamos sendo confrontados a frases sintéticas. Proponho alguns aforismos sobre as mudanças necessárias a uma Psicanálise do Século XXI. Informações de relevância, porém concisas, o que obriga a cada um por de si, ao completá-las.

 

  • Freud teve a genialidade de propor uma estrutura capaz de esquadrinhar a experiência humana num mundo pai-orientado: o complexo de Édipo. Um standard freudiano, não um princípio.
  • Foi Jacques Lacan quem deu o alerta da necessidade de uma psicanálise além do Édipo. Uma psicanálise capaz de acolher um homem cujo problema não está mais nas amarras de seu passado – que justificou a expressão “cura da memória” – mas uma psicanálise para o homem que não sabe o que fazer, nem escolher entre os vários futuros que lhe são possíveis hoje: sem pai, sem norte, sem bússola.
  • Antes, as pessoas se queixavam por não conseguirem atingir os objetivos que perseguiam. Hoje, quase ao avesso, as pessoas se queixam pelas múltiplas possibilidades que se oferecem.
  • Se ontem se analisava para se compreender mais, para ir mais fundo, hoje se dirige o tratamento ao limite do saber: é a necessidade da aposta, na precipitação do tempo.
  • Se ontem se fazia análise para obter uma ação garantida, livre de influências fantasiosas, hoje nenhuma ação é assegurada em um justo saber, toda ação é arriscada e inclui a responsabilidade do sujeito.
  • Se ontem a psicanálise falava em sofrimento psíquico, o que a levou a ser patrocinada por psicólogos que a reduziram a uma das disciplinas de seu currículo, hoje é necessário separá-la do campo da saúde mental.
  • Se ontem nos limitávamos em nossa práxis ao espaço do consultório, hoje haverá psicanálise onde houver um analista, e ele é necessário nos mais diversos locais da experiência humana, muito além das instituições de saúde.
  • Quando a palavra não é mais necessária para intermediar o que se quer, para refletir sobre o que se teme, para inquirir o que se ignora; quando a palavra perde sua função de pacto social, ficamos suscetíveis ao curto-circuito do gozo. O gozo que prescinde da palavra é, em conseqüência, ilógico e desregrado.
  • Hoje estamos no momento do gozo ilógico e desregrado. Alguns exemplos dentre os mais notáveis são as toxicofilias, o fracasso escolar, a delinqüência juvenil, as doenças psicossomáticas. Em cada um desses quadros podemos destacar a impotência da palavra dialogada para alterar o mau estado da pessoa.
  • Miremo-nos nos exemplos dos próprios adolescentes, os que mais sofrem os curtos-circuitos do gozo. Vejamos as soluções que eles encontram para ordenar este gozo caótico. O nome é: “esportes radicais”; no ar: paraglider; na terra: alpinismo; no mar: kite-surf.  Todos eles, no limite do dizível, tentativas de captura direta do gozo.
  • O fracasso escolar, a toxicomania, as bulimias, as anorexias, a violência despropositada têm em comum a impossibilidade de serem explicados. Suas causas não são decifráveis por via alguma: da medicina, da psicologia, da pedagogia. Não explicáveis, não exclui que sejam tratáveis.
  • Lacan propôs duas clínicas: uma primeira, a da palavra decifrada, que levantando o recalque, alivia o sintoma e uma segunda, a clínica do gozo, onde a palavra serve para cifrar, tal qual o “piolet” do alpinista que marca a dura pedra do gozo a ser conquistado.
  • Os novos sintomas, por surgirem do curto circuito da palavra, são resistentes ao tratamento pela associação livre. De uma clínica do esclarecimento, vamos para a clínica da conseqüência.
  • A psicanálise no tempo de Freud visava descobrir os impasses, os traumas que impediam uma pessoa a alcançar o futuro que idealizava. O futuro era claro, difícil era seu acesso. A psicanálise no século XXI não é um tratamento do passado, mas, ao contrário, é invenção do futuro.
  • Freud, para seus contemporâneos, escreveu três famosos textos sobre a organização social: “Totem e Tabu”, “Futuro de uma Ilusão” e “Mal estar na Civilização”. É nossa tarefa, hoje, reinterpretar essa sociedade, não mais à luz do Complexo de Édipo, mas à luz do amor além do pai que exigirá falarmos da responsabilidade de cada um ante sua escolha.
  • Se antes, o objetivo de uma análise, com Freud, era o de se conhecer melhor, hoje, com Lacan, o que importa é retificar a posição da pessoa em relação ao radical desconhecimento do Real, do “que não tem nome nem nunca terá”, levando-a a inventar um futuro e a sustentar esta invenção.

 

(artigo publicado na revista Psique nº 53, maio 2010)

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