/A praga da autoestima e a psicanálise em bom português

Quem jamais vai não deixa de ter pena de si próprio deixar de escrever
em lacanês

Lisiane Fachinetto

Na edição de
14/12/2012 de O Mundo –  Visto pela Psicanálise, Claudia Riolfi
publicou o artigo A Gramática do Lacanês,
no qual exortava os psicanalistas a fazer um esforço de clareza e a passar a
escrever no vernáculo. Desta leitura, uma questão se impõe: o que é preciso
para que uma pessoa consiga o distanciamento necessário para reler o que ele
mesmo escreveu a ponto de perceber os pontos fracos, os paradoxos, as
obscuridades? Em primeiro lugar, destaco a necessidade de um olhar
desapaixonado diante do texto a ser lido.  

Qual a consequência
de um olhar apaixonado? Bem, uma pessoa tomada pela emoção fica colada a
idealização, a um imaginário que impede uma análise mais criteriosa e rigorosa
do objeto amado, no caso, o texto. Assim, estar caidinho por si mesmo e muito
satisfeito com suas próprias produções implica na dificuldade de se oferecer
uma leitura que leve o autor a repensar a sua produção. Para se manter neste
lugar idealizado, o sujeito fica na lógica da alienação. Não consegue colocar novos
sentidos em cena. Opta pela comodidade do genérico, ficando na repetição do que
já foi dito.

Para que uma pessoa
dê origem a uma produção clara, competente e coerente, é preciso que se preste
a sustentar uma articulação entre a alienação e a separação. Para tanto, aquele
que escreve deve saber separar sua pessoa de seu escrito. Isso permite que o
sujeito faça um duplo movimento: se aliene às próprias palavras, não desistindo
delas no meio do caminho e, depois, se separe do rascunho, tomando uma
distância necessária para voltar ao texto e reescrevê-lo. Em suma: a
experiência da reescrita requer que o sujeito abra mão de seu narcisismo.

Conclui-se, então,
que para deixar de escrever em lacanês, uma passagem é fundamental: deixar de
ter pena de si mesmo e não se furtar a jogar fora, quantas vezes se fizerem
necessárias, a própria produção. Nesta direção, destaco a busca de parcerias
fecundas, da busca de leitores, ou da experiência de
participar de um grupo que consiga trabalhar a partir de princípios
psicanalíticos, em especial, colocando em prática o preconizado por Forbes ao
descrever sua prática clínica: “É preciso um impacto que horroriza a
compaixão”. Um leitor disposto a sustentar este tipo de impacto não se furtaria
a editar para valer o texto, utilizando manejos que chamariam o autor à responsabilização
pelas decisões tomadas ao escrever.

Para concluir, gostaria
de deixar uma palavra a respeito da importância de se criarem dispositivos, nos
diversos tipos de instituição que se dedicam a colaborar
com a formação das novas gerações de psicanalistas, de instâncias nas quais as
pessoas que estão sendo formadas possam aprimorar sua relação com a escrita,
vencendo, de vez, o lacanês. Assim como a análise é o que se espera de um
analista, a transmissão da psicanálise é o que se espera de uma instituição
psicanalítica. Deste modo, é bom que o que se diga ou o que se escreva esteja
claro.